Africa Basquetebol

22 setembro 2007

CABO VERDE : Marques Houtman: “Tenho orgulho em fazer parte da selecção de Cabo Verde”

Marques Houtman é cabo-verdiano-americano de terceira geração e atleta da selecção nacional sénior masculina de Basquetebol. Ele foi eleito, junto com Rodrigo Mascarenhas, para o cinco inicial ideal do Afrobasket Angola 2007, e como o melhor base da copa africana. Nesta entrevista ao asemanaonline fala do orgulho que sente em ser cabo-verdiano e da avalache de emoções que foi a participação no Afrobasket 2007.


Entrevista por: Teresa Sofia Fortes

- Foste eleito - juntamente com outro cabo-verdiano, Rodrigo Mascarenhas-, para o cico ideal do Afrobasket Angola 2007, que decorreu de 15 a 25 de Agosto. Também foste considerado o melhor base da Copa. Como te sentes em relação a tanta glória?

- É uma grande honra. Tenho a sorte e a felicidade de ter óptimos colegas de equipa, a minha, que me ajudaram a conseguir este feito. Sem eles não teria conseguido. É como um sonho tornado realidade, mas é fruto de muito trabalho duro.

- Também conquistaste, tal como o resto da selecção cabo-verdiana, a medalha de bronze. Feliz com a conquista desse galardão?

- É formidável, extraordinário. Conquistamos a medalha de bronze nos I Jogos da Lusofonia, em 2006, em Macau. Mas este é mais especial. Penso que ninguém pensou que Cabo Verde conseguiria ir tão longe. Todos nós, como equipa, trabalhamos muito do início ao fim, por isso penso que merecemos a medalha de bronze. O sentimento é maravilhoso.

- Achas que um dos factores do sucesso de Cabo Verde no Afrobasket 2007 foi a surpresa?

- Sim, creio que surpreendemos algumas equipas, especialmente a Nigéria. Na minha opinião, outras das razões do sucesso de Cabo Verde é que a nossa equipa tem rapidez, somos uma das equipas mais rápidas de toda a África. As outras selecções têm grandes gigantes - e nós talvez apenas dois - de modo que usamos a nossa rapidez para ultrapassá-los.

- Os cabo-verdianos residentes em Angola deram-vos, segundo me disseram jogadores e equipa técnica da selecção, grande apoio. Tendo em conta que nasceste nos EUA, tinhas noção da existência dessa comunidade?

- Não. Eu não fazia ideia de que iríamos ter todo esse apoio. Foi maravilhoso. Pessoas iam nos visitar, manifestavam-nos o seu apoio, cozinhavam para nós. Até parecia que estávamos em Cabo Verde. Especialmente no jogo contra o Egipto, nós tivemos uma boa claque (uma pequena multidão) a puxar por nós durante todo o jogo, que foi muito difícil pois o Egipto é uma grande equipa. Fomos capazes de ganhar porque também nos sentimos como se estivéssemos em casa, em Cabo Verde.

- E como encaraste a recepção que tiveram na Praia, quando chegaram de Angola?

- Foi inacreditável. Soube muito bem. Como disse antes, é como viver um sonho: ver todos muitos felizes por causa do que fizemos, ver tantos miúdos a saudar-nos, felizes por nos verem. Eu também sou um miúdo, um miúdo grande que continua a jogar. Tenho apenas 28 anos e sinto-me como uma criança no meu coração. E quando vejo crianças felizes por nos verem lembro-me de mim próprio, quando tinha 11 anos e via os basquetebolistas a jogarem.Sonhava ser um dia como eles.

- Cabo Verde tem de se preparar agora para a eliminatória para os Jogos Olímpicos Pequim 2008. Na tua opinião, de que precisa Cabo Verde para ser bem sucedido nessa empreitada?

- Penso que acima de tudo precisamos de mais organização na Federação. Penso que as pessoas que estão a dirigir a FCBB ainda não tomaram muito a sério a missão que têm nas mãos. Eu e o Tony Barros, por exemplo, já deveríamos estar nos EUA há uma semana (a entrevista foi feita na quarta-feira, 5 de Setembro) mas ainda não temos OK no nosso bilhete de passagem! São estas pequenas coisas que atrapalham. Nós jogadores só devemos estar preocupados em jogar, não devíamos nos preocupar se temos água, equipamentos, os bilhetes de avião. Mostramos que Cabo Verde é uma das selecções de topo de África e do mundo, por isso a nossa federação precisa ter de agir como tal. Para a eliminatória para os Jogos Olímpicos Pequim 2008, penso que os jogadores vão estar preparados, mas a federação terá que melhorar o seu nível de actuação. Até agora, pouco tem feito por nós.

- Há quem diga que o problema é falta de dinheiro, de melhores infra-estruturas ... O que achas?

- Penso que não é necessário mais dinheiro. É preciso sim mais organização. Já conquistamos duas medalhas de bronze - a primeira em 2006 nos I Jogos da Lusofonia, em Macau, e o segundo no Afrobasket Angola 2007 - graças ao nosso esforço dentro do campo. Agora, a FCBB tem que se esforçar, tanto como nós o fazemos dentro do campo. Se se organizarem melhor não haverá problemas e todo o país sairá a ganhar. Nós, jogadores, estamos prontos para representar o nosso povo.

- Acha que Cabo Verde precisa de jogadores mais altos e fortes, como os nigerianos, senagaleses e angolanos para conseguir o “passaporte” para Pequim, ou esse não é o principal obstáculo de Cabo Verde?

- Depende. A Nigéria tem jogadores mais altos e fortes que nós, mas derrotamos a Nigéria. Agora, com a eliminatória para os Jogos Olímpicos de Pequim vamos enfrentar outras selecções ... Há alguns jogadores cabo-verdianos altos que jogam no exterior, nomeadamente na NBA, e que podem e querem dar o seu contributo. Tudo dependerá da capacidade de organização da FCBB. Como é que o Ryan Gomes- dos Minnessota Timberwolves, da NBA, um profissional-, vai se disponibilizar para vir se corre o risco de no dia do regresso ainda não ter OK no seu bilhete? Entendes qual o problema?

- Mané recebeu convite para treinar outras selecções, mas diz que quer ficar. Apenas quer mais e melhores condições para trabalhar. O que achas dele como treinador?

- Mané é um grande treinador e também um grande amigo nos últimos sete anos. Penso que ele procura tirar vantagem de todas as situações, para o bem da selecção. Gostaria que ele ficasse, mas se ele decidir sair compreenderei os motivos dele. Como disse antes, ninguém esperava que chegássemos tão longe no Afrobasket. Se ele decidir ficar ficarei então muito feliz por poder jogar para ele porque sob a sua liderança sei que os jogadores que virão progredirão bastante.

- Nasceste em New Bedford, Estados Unidos. Portanto, és americano. Porque optaste por jogar pela selecção de Cabo Verde?

- Em 1999 eu fui eleito para jogar pela Youth United, de Bóston. Eu era o representante dos cabo-verdiano-americanos, pode-se assim dizer. A minha avó- nasceu nos EUA mas viveu em São Nicolau e São Vicente-, e outros parentes sempre me disseram para visitar Cabo Verde. Por isso, quando tive a oportunidade de jogar pela Youth United, fui seleccionado para a selecção de Cabo Verde. E tenho orgulho nisso, pois Cabo Verde é lindo, é moderno, o seu basquetebol está a crescer e a tornar-se grande...E sinto-me feliz por fazer parte dele. Ademais, ao estar na selecção represento todos os cabo-verdianos dos Estados Unidos, em particular os mais jovens como eu.

- Nos EUA, estás em permanente contacto com a comunidade cabo-verdiana?

- Sim, estou ligado a algumas igrejas cabo-verdianas. Temos doado roupas e penso que, quando voltar, haverá mais apoio e mais dinheiro. Quero ajudar principalmente as novas gerações. Porque, os mais velhos cuidaram de mim quando era adolescente, 12 anos, e quero retribuir ajudando os mais novos. Há muito talento entre os jovens americano - cabo-verdianos. Precisam apenas ser ajudados e apoiados. Penso que ainda tenho alguns bons anos à frente para jogar. Depois, quero ser treinador de crianças. Todos podemos ajudar e avançar para a frente, se assim escolhermos.

- Mané disse-me que existe a possibilidade de mais dois jogadores cabo-verdianos-americanos entrarem para a selecção - Jeff Xavier e Ryan Gomes. Conhece-os? O que eles pensam de vir para a selecção?

- Quando falei com o Ryan Gomes - em 2005, numa altura em que estava a preparar-se para entrar na NBA-, ele disse-me que seria uma honra para ele jogar por Cabo Verde. A questão que se põe também no caso do Ryan Gomes éa nossa organização. Porque ele é um profissional de topo, por isso não pode de um dia para o outro aparecer aqui, quando a FCBB assim decidir. Ele precisa que o processo seja claro, bem definido e com todas as garantias. Quer dizer, se houver boa organização na FCBB podemos ter os jogadores que queremos na selecção e atingir os objectivos que os jogadores acreditam que podemos alcançar.

- Quando em Angola, no Afrobasket 2007, sentiste também o apoio da comunidade cabo-verdiana dos EUA, lá longe?

Sim, com certeza. A minha mãe e o meu pai disseram-me que especialmente em New Bedford e Brockton - onde residem mais cabo-verdianos-, todos estavam a apoiar a selecção. Por isso, penso eu, temos que aproveitar esse entusiasmo e essa fama enquanto pudermos, especialmente para o bem da próxima geração de jogadores.

- Na próxima época vais jogar pelo 1º de Agosto, de Angola. Quais são as tuas expectativas?

- Espero crescer como jogador, pois vou jogar com um grupo de jogadores talentosos, pessoas com quem não joguei antes. O contrato é bom financeiramente, mas o mais importante é que vou poder jogar e manter ou aumentar o meu nível. Estar numa equipa onde não jogo não faz sentido. Vou jogar ao lado do Rodrigo Mascarenhas e outros basquetebolistas de outras partes do mundo. Vou poder conhecer outras partes de África. Tenho a certeza que vai ser incrível. Estou ansioso por jogar.

- Qual o maior sonho que tens para a tua carreira?

- Sonho jogar mais seis ou sete épocas de sucesso, ir o mais longe possível mas mantendo-me sempre saudável. Gostaria de jogar na NBA, penso que sou bom o suficiente para jogar numa das suas equipas, mas estou feliz com o que tenho e irei o mais longe que puder. E quando concluir a carreira serei treinador para ajudar crianças...É nisso que tenho o coração.